Estranhos Atratores

COVID-19 – Sinais – Por Jefferson Beat

Uma crônica sobre nossos dias

Por Jefferson Beat – Produtor cultural/SESC.

Imagem: Naeblys/istock.

Os sinais já se tornavam aparentes muito antes da grande catástrofe, contudo, ninguém os compreendia.

Os teóricos, filósofos, especialistas, teciam seus comentários em horário nobre no telejornal de maior audiência da nação, corroborando a tese de que nada acontecia, de que os sinais eram apenas factoides criados pelos alarmistas, que já havíamos evoluído suficientemente enquanto espécie e nos encontrávamos em grau civilizatório superior aos dos nossos antepassados que, por inabilidade, padeceram da grande desgraça.

No rádio, as velhas canções de amor se repetiam no dial; a tevê reprisava diariamente a famosa novela, recorde de audiência, que dava a aparência cotidiana de normalidade às vidas das donas de casa desavisadas.

Também os apitos das fábricas continuavam tocando pontualmente às 8 da manhã e às 5 da tarde enquanto em algum canto da cidade, alguém descrente de si e da vida, alheio ao drama coletivo prestes a se abater sobre nós, maquinava pôr fim à própria existência jogando-se na linha do metrô em horário de pico, ao que a imprensa logo tratava de ignorar solenemente para, em nome da normalidade, não provocar a imaginação dos suicidas.

Enquanto os sinais avançavam e tornavam-se mais nítidos, alguns casais faziam planos para o futuro, outros, selavam entre lágrimas e gritaria o fim de um relacionamento natimorto. Mais e mais a nuvem negra dos nossos infortúnios se aproximava, e no farol meninos faziam malabares e pediam trocados aos motoristas ensimesmados que abaixavam os vidros dos carros a cada nova investida dos pedintes.

Num bar qualquer, um grupo de amigos celebra o fim do expediente, revezando de tempos em tempos o pedido de mais uma rodada ao garçom e a ida até o banheiro com o pretexto de estar com a bexiga cheia para dar mais um teco na cocaína comprada junto aos próprios garotos dos malabares.

Até que num domingo chuvoso, entre foguetórios e luto, os sinais se desvelaram por completo, deixando alguns poucos alarmados, alguns outros felizes e outros tantos impassíveis. Um cheiro ocre de enxofre impregnou o ar, mas já era tarde. Para aplacar a própria consciência, houve quem se levantasse em meio ao caos gritando “eu avisei”, enquanto uma névoa espessa e tóxica tomava as ruas de assalto, daquele dia em diante. Para sempre.