Estranhos Atratores

ANO CASTELLANI

Durante todo o ano de 2019, Estranhos Atratores se dedicou a resgatar a memória dos primeiros dias do sindicalismo revolucionário no ABC Paulista, relembrando o centenário de morte de Constantino Castellani, jovem anarquista assassinado durante protesto em frente a fábrica Streiff, na Oliveira Lima, centro de Santo André.

O projeto de resgate, chamado de ‘Ano Castellani”, foi idealizado por Jairo Costa e produziu camisetas, cartazes, filmes, festivais de música, cervejas e em seu final, ocorrido em novembro no Bar MORTAL, teve lançamento de livro, encerrando a histórica iniciativa.

Dentre tantas pessoas envolvidas no “Ano Castellani”, destacamos e agradecemos a participação de Aldo Meira, André Gomes, Ana Mesquita, Amanda Perobelli, Anderson Bigode, Andris Bovo, Archvelho, Aretha Gasparini, Celina Lerner, Cícero Firmino Martinha, Cláudia Lima, Cláudio Cox, Dalila Teles Veras, Daniel Melim, Daniel Camatta, Daniel Tossato, Du Motta, Eduardo Correia, Eduardo Kaze, Emmanuel Vidotto, Felipe Bigliazi Domingues, Felipe Damorim, Fábio Muller, Fernando Lago, Flavio Grao, Fhoutine Marie, Giselle Maria, Guilherme Falleiros, Guilherme Santos, Héctor Alves, Henrique HC, Izabel Bueno, Jefferson Beat, Joãozinho, Larissa Paz, Lauro Larsen, Lucas Augusto, Lucas Campos, Lúcio Manfredi, Luiza Maninha Teles Veras, Maíra Lavorato, Marcelo Buraco, Marcelo Mendez, Márcio Fidelis, Marco Zambello, Marcos Imbrizi, Marcos Pablo Vitorino, Maurício Martins, Miriã Erberelli, Nathália Andrade, Paulo Ruivo, Rafael Henri, Rodrigo Pinto, Rodrigo Previato, Rodrigo Tamassia, Rogério de Campos, Sílvia Helena Passarelli, Simone Assis, Simone Zárate, Soraia OC, Tatiane Prado, Thiago Miúdo, Victor Fermino, Alcoóliques, Avante!, Copo Largo, Giallos, Giant Jellyfish, Krias de Kafka, Projeto Nave, Sentimento Carpete, Special Ciagarretes, Take 9001, Bar 74 Club, Museu de Santo André, Red Light Duplex, Lanchonete Chalé do Pão de Queijo (PDQ), Bar Apostrophe, Livraria Alpharrabio, Bar Mocergo, Site Nada POP, Sind. Metalúrgicos de S. André, Biblioteca de S. André.

Lançamento do livro foi destaque na capa do jornal Diário do Grande ABC,
de 17 de novembro de 2019.

Entrevista para o Jornal Diário do Grande ABC

Vinícius Castelli — Quando surgiu a ideia de escrever sobre Constantino Castellani?

Jairo Costa — Em 2013 eu estava interessado em escrever um artigo sobre as origens do sindicalismo no ABC. Queria descobrir o que tinha acontecido antes das grandes greves de 1978/80. Foi quando encontrei na Biblioteca de Santo André um livro editado pela prefeitura nos anos 1990 contando a história do Constantino e da União Operária. Foi fascinante descobrir o início da politização da região. Tudo começou com uma greve contra a tecelagem Ipiranguinha, que explorava centenas de mulheres e crianças. A paralisação se tornou passeata, a passeata se tornou piquete na frente da fábrica Streiff e o piquete se torna tragédia numa tragédia, com o assassinato de um garoto anarquista bem no centro da cidade.

Vinícius Castelli — Esse livro é resultado de quanto tempo de pesquisa?

Jairo Costa — No início a intenção era apenas escrever um artigo sobre o Castellani mas os anos foram passando e um dia eu lembrei que em 2019 se completariam 100 anos de sua morte. Então comecei a preparar material pensando em fazer um ano inteiro de atividades com festivais de música, exposições etc. Assim nasceu o “Ano Castellani”. Chamei o movimento cultural da cidade para produzir homenagens e muita gente se juntou ao projeto

Vinícius Castelli — Acredita que muitos andreenses não saibam que ele tenha existido?

Jairo Costa — Certamente a maioria da população não faz a menor ideia de quem foi Castellani e de seu fim trágico. A região mudou, poucas pessoas se interessam pela história de luta do ABC. Foi justamente por isso que decidimos contar a história dele e da União Operária para que as novas gerações tenham consciência de que os tempos já foram muito difíceis em terras ramalinas e que esse período pode voltar com o avanço do autoritarismo em todo o continente.

Vinícius Castelli — Como foi seu trabalho de pesquisa? Que materiais pesquisou, com quem falou?

Jairo Costa — O livro não tem a intenção de ser a publicação definitiva sobre aquele fatídico dia 05 de maio de 1919 e nem a biografia de Castellani. Ele foi pensado como apenas mais uma das atividades desenvolvidas dentro de toda a programação do que batizamos de “Ano Castellani”, que teve dois festivais de música autoral e independente, camisetas, pôsteres, dentre tantas outras ações que marcaram o aniversário de morte do anarquista. Para o livro, consultamos os arquivos do sindicato dos metalúrgicos de Santo André, que era a União Operária, bibliotecas públicas, acervos particulares et.

Vinícius Castelli — Acha que Castellani tinha noção da importância de suas atitudes e das reivindicações que fazia à época?

Jairo Costa — O Castellani trabalhava na Ipiranguinha que era conhecida desde 1906 como uma prisão industrial, com turnos que duravam as vezes 15, 16h por dia, péssimos salários, nenhum direito trabalhista, até parece que eu estou falando de um trabalhador dos dias de hoje. Eles não podiam usar o banheiro da firma e também apanhavam dos patrões etc… Certamente Castellani e seus companheiros da União Operária tinham total noção de que eram explorados e de por quê e por quem lutavam.

Vinícius Castelli — Ele foi morto em Praça Pública com tiro de fuzil. De acordo com sua pesquisa, como foi a reação das pessoas à época?

Jairo Costa — Após o crime o corpo de Castellani foi tirado de posse da polícia e velado na casa do próprio Constantino e depois no barracão da União Operária. Seu enterro foi acompanhado por milhares de pessoas de todo o ABC e São Paulo. A notícia do assassinato de Castellani correu o Brasil. Já no dia seguinte estava nos principais jornais do país, como o Estado de S. Paulo. A mídia operária que tinha enorme penetração nas fábricas de todo país também denunciou intensamente o crime, jornais como A Plebe e O Combate cobriram durante meses os desdobramentos do assassinato. O deputado Nicanor do Nascimento veio até Santo André pelos trilhos da São Paulo Railway Company, se reuniu com a União Operária, visitou a família do morto e seu túmulo no cemitério da vila assunção e dias depois, ao voltar para o Rio de Janeiro, denunciou o crime no congresso nacional.

Vinícius Castelli — O atirador foi absolvido?

Jairo Costa — Sim, o soldado José Bernardino de Araújo (autor do disparo) foi absolvido por unanimidade. O Sargento Pedro de Albuquerque, também envolvido no assassinato nem chegou a responder inquérito e 9 dias depois do crime era promovido e remanejado para Santos. Os advogados do réu defenderam a tese de que os policiais foram agredidos por Castellani, que supostamente teria arremessado um tijolo contra o homem da lei. Testemunhas próximas a Constantino negaram de forma veemente essa versão apontando que o assassinato foi premeditado, sendo que Castellani, em meio a mais de 500 manifestantes, dentre mulheres e crianças, era o líder e único homem dentre os grevistas naquele momento e recebeu um tiro fatal no coração.

Vinícius Castelli — O que acha que mudou com a morte dele?

Jairo Costa — A radicalização dos patrões e do governo contra os trabalhadores anarquistas fica evidente com o assassinato de Castellani e a prisão de todos os membros da União Operária e deportação de estrangeiros envolvidos em atividades políticas. O que mudou foi a visão dos trabalhadores, eles descobriram da pior forma possível que precisavam se organizar mais e melhor para lutar pelos seus direitos e dignidade. A morte de Castellani desencadeou muita perseguição e os militantes se viram obrigados a operar clandestinamente mas nunca pararam de se reunir e ter Castellani como um exemplo, um mártir. Tanto é que 8 anos depois eles reativaram a União Operária, já sob a liderança de novos membros como Armando Mazzo, Marcos Andreotti e Miguel Guillen, que União operároia que em 1933 se transforma no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, que está aí até hoje. Eles eram tão fortes que chegaram a eleger Mazzo prefeito de Santo André e mais 13 vereadores em 1947, que infelizmente não tomam posse, são cassados e perseguidos mais uma vez.

Vinícius Castelli — O que descobriu de mais interessante ao longo de sua pesquisa?

Jairo Costa — Me assustei com as precárias condições de trabalho e com a presença macissa de milhares de mulheres e crianças de 7, 8 anos trabalhando nas fábricas de todo o estado. Fiquei admirado com força e a garra daquela turma, eles eram incríveis. Mesmo com um de seus integrantes assassinado, continuaram resistindo e tornaram a região uma das mais politizadas e engajadas de todo o país. Além dos tecelões da Ipiranguinha, me impressionou a militância dos canteiros de Ribeirão Pires, talvez alvo de uma futura pesquisa. Outra surpresa foi descobrir que as fakenews não são fenômeno recente. Encontrei jornais da época de que davam o Castellani como vivo e bem, isso 100 anos antes das mentiras difundidas pelo Whatsapp …

Vinícius Castelli — Qual a importância de falar de Constantino Castellani, mesmo 100 anos após a morte dele?

Jairo Costa — Hoje a precarização do trabalho se assimila aos tempos de Castellani. Acabamos de perder todos os direitos trabalhistas, os empregos são raros, ninguém mais se aposenta, os ofícios por aplicativo te colocam em uma situação de semiescravidão. Tudo está muito parecido com os dias de Constantino. Resgatar aqueles dias é uma forma de apresentar para as novas gerações exemplos de resistência em dias sombrios. Não queremos outro assassinato de um jovem trabalhador lutando por seus direitos, precisamos reagir antes que algo desse tipo aconteça! O cenário está claro, ou a população se mobiliza ou será tragada, engolida pelas medidas ultraliberais que a extrema direita que hoje manda e desmanda no pobre Brasil implementa.

Vinícius Castelli — Como foi para você, realizar essa obra?

Jairo Costa — Mais importante que escrever o livro foi realizar o “Ano Castellani”, colocamos centenas de pessoas nos nossos dois festivais, engajamos uma turma muito boa, esclarecida, que está despontando, produzindo cultura e conhecimento para a região e para o país. Ano que vem tem mais coisas, fruto desta nossa jornada, vem aí um filme e um documentário sobre o “Primeiro rebelde do ABC”.

Vinícius Castelli — É um livro independente ou foi feito com algum apoio?

Jairo Costa — O livro é totalmente independente, todo o “Ano Castellani” foi feito apenas com a ajuda do público. Vendemos camisetas, posteres, tem uma cerveja artesanal muito boa produzida pela micro cervejaria Granma, com o nome do Constantino, que fica lá onde era a fábrica Ipiranguinha. Nós mandamos rodar poucos exemplares e procuramos formas de imprimir mais. Vamos procurar o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, guardião da memória de Castellani, e ver se nos apoiam imprimindo mais exemplares.

Vinícius Castelli — Por fim, me diz onde o livro pode ser comprado e quanto custa?

Jairo Costa — A partir da semana que vem o livro pode ser encontrado na Banca Quitandinha, na Praça do Carmo, bem em frente ao local onde Castellani foi assassinado. Também estará a venda no Chalé do Pão de Queijo, novamente na Praça do Carmo e no Bar Red Light, na Senador Flaquer 845 e dia 30 de novembro, na Casa da Palavra, a partir das 10h realizaremos um lançamento durante atividade do Coletivo Rock ABC. O livro custa R$ 30,00 e pode se adquirido através da página da Editora Estranhos Atratores: https://www.facebook.com/editoraestranhosatratores/

Vinícius Castelli — Quer dizer algo mais?

Jairo Costa — Gostaria de destacar a cobertura do Diário do Grande ABC, que através do jornalista e historiador Ademir Médici vem ao longo de quatro décadas publicando uma quantidade grande de material sobre Constantino e a União Operária. Graças ao esforço de Médici em não deixar esse momento ímpar da história da região desaparecer, conseguimos reunir várias informações e montar um quebra cabeças mínimo sobre o que se deu no dia 05 de maio e 1919.