Estranhos Atratores

COVID-19 – De volta a Marx – Eduardo Kaze

Dia 8

Eduardo Kaze

JB, a Besta, não demora a cair. O vice também não é boa coisa e, se a toada segue, a sucessão depois de Mourão, o palerma, é de Maia, o guloso. Nada vai bem no Brasil. Se vai, fica; e se fica, não vai. O paradoxo tupiniquim é acentuado, ainda, pela ignorância de JB, a Besta, que protegendo seus deuses empresariais decreta não existir nada disso que existe.

Dias 8, 9 e 10 (27-28-29/03/2020)

O fim de semana foi de estudo, então vamos ao estudo.

No primeiro parágrafo do item 2, do capítulo 1 d´O capital, Marx diz modestamente: “essa natureza dupla do trabalho contido na mercadoria foi criticamente demonstrada pela primeira vez por mim”. Usando apenas duas linhas, Marx aponta que o trabalho possui uma dupla natureza no interior da mercadoria – e continua: “esse ponto é o centro em torno do qual gira o entendimento da economia política”. Então precisamos “olhá-lo de perto”.

Marx começa O capital pela mercadoria. O item 1 do primeiro capítulo, Os dois fatores da mercadoria: valor de uso e valor, demonstra que o valor de uso, além de ser qualitativo – ser determinado por suas qualidades – é o suporte material do valor de troca; e valor de troca, por sua vez, é determinado quantitativamente – pela quantidade material –, muda constantemente no tempo e no espaço e só se realiza na troca – ou seja, só pode ser medido quando relacionado com mercadorias de valor de uso diferente. Assim, enquanto o valor de uso se realiza no consumo, o valor de troca ocorre na permuta.

Porém, há uma terceira coisa, que não é nem valor de uso, nem de troca, necessária para determinar a magnitude do Valor da mercadoria. Essa coisa é o trabalho impregnado na confecção dos bens do consumo. Mas não o trabalho isolado, particular de um indivíduo; não o “trabalho concreto”, nas palavras de Marx, mas o trabalho “abstrato”, algo existente como manifestação do dispêndio de energia humana geral, igualando os trabalhadores na sociedade capitalista segundo a divisão social do trabalho, artificialmente organizada pelo modo econômico-produtivo do capitalismo.

Diz Marx: “Viu-se portanto, que no valor de uso de toda mercadoria reside uma determinada atividade produtiva adequada a um fim, ou trabalho útil. Valores de uso não podem se confrontar como mercadorias se neles não residem trabalhos úteis qualitativamente diferentes. Numa sociedade cujos produtos assumem genericamente a forma de mercadoria, isto é, numa sociedade de produtores de mercadorias, essa diferença qualitativa dos trabalhos úteis, executados separadamente uns dos outros como negócios privados de produtores independentes, desenvolve-se como um sistema complexo, uma divisão social do trabalho.

Até aqui, as trocas à qual se referiu Marx não são necessariamente você no mercado, comprando alguma coisa. É a troca em seu sentido mais amplo, macro, onde nasce seu valor. E Marx diz: “Passemos, então, da mercadoria como objeto de uso, para o valor-mercadoria”. E faremos isso noutro texto 😉

Abaixo, para quem está interessado no texto original, meus fichamentos realizados até agora d´O capital (Boitempo, 2013) e de Para Entender o Capital – Livro 1 (Boitempo, 2013), de David Harvey.

KARL MARX:

“Inicialmente, a mercadoria apareceu-nos comum duplo de valor de uso e valor de troca. Mais tarde, mostrou-se que também o trabalho, na medida em que se expressa no valor, já não possui os mesmos traços que lhe cabem como produtor de valores de uso.” (119)

“O casaco é um valor de uso que satisfaz uma necessidade específica. Para produzi-lo, é necessário um tipo determinado de atividade produtiva, a qual é determinada por seu escopo, modo de operar, objeto, meios e resultado. O trabalho, cuja utilidade se representa, assim, no valor de uso de seu produto, ou no fato de que seu produto é um valor de uso, chamaremos aqui, resumidamente, de trabalho útil […] ele será sempre considerado em relação ao seu efeito útil.” (119)

“Assim como o casaco e o linho são valores de uso qualitativamente distintos, também o são os trabalhos que os produzem […] Se essas coisas não fossem valores de uso qualitativamente distintos […] produtos de trabalhos qualitativamente distintos […] não poderiam de modo algum se confrontar como mercadorias […] um valor de uso não se troca pelo mesmo valor de uso.” (119)

“No conjunto dos diferentes valores de usos […] aparece um conjunto igualmente diversificado […] de diferentes trabalhos úteis – uma divisão social do trabalho. Tal divisão é condição de existência da produção de mercadorias, embora, essa última não seja, inversamente, a condição de existência da divisão social do trabalho.” (119-20)

“Viu-se portanto, que no valor de uso de toda mercadoria reside uma determinada atividade produtiva adequada a um fim, ou trabalho útil. Valores de uso não podem se confrontar como mercadorias se neles não residem trabalhos úteis qualitativamente diferentes. Numa sociedade cujos produtos assumem genericamente a forma de mercadoria, isto é, numa sociedade de produtores de mercadorias, essa diferença qualitativa dos trabalhos úteis, executados separadamente uns dos outros como negócios privados de produtores independentes, desenvolve-se como um sistema complexo, uma divisão social do trabalho.” (120)

“Onde a necessidade de vestir-se obrigou, o homem costurou por milênios […] Como criador de valores de uso, como trabalho útil, o trabalho é, assim, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana […] Ao produzir, o homem pode apenas proceder como a própria natureza, isto é, pode apenas alterar a forma das matérias.” (120)

“Passemos, então, da mercadoria como objeto de uso, para o valor-mercadoria.” (121)

“Abstraindo-se da determinidade da atividade produtiva e, portanto, do caráter útil do trabalho, resta o fato de que ela é um dispêndio de força humana de trabalho […] dispêndio de força de trabalho simples que, em média, toda pessoa comum, sem qualquer desenvolvimento especial, possui em seu organismo corpóreo […]O trabalho mais complexo vale apenas como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de modo que uma quantidade menor de trabalho complexo é igual  a uma quantidade maior de trabalho simples […] Mesmo que uma mercadoria seja produto do trabalho mais complexo, seu valor a equipara ao produto do trabalho mais simples e, desse modo, representa ele próprio uma quantidade determinada de trabalho simples.” (121-22)

“Para fins de simplificação, de agora em diante consideraremos todo tipo de força de trabalho diretamente como força de trabalho simples.” (122)

“[…] o casaco tem o dobro do valor de 10 braças de linho. De onde provém essa diferença de suas grandezas de valor? Do fato de que o linho contém somente metade do trabalho contido no casaco, pois para a produção do último requer-se um dispêndio de força de trabalho durante o dobro do tempo necessário à produção do primeiro.” (122-23)

“Portanto, se em relação ao valor de uso o trabalho contido na mercadoria vale apenas qualitativamente, em relação à grandeza de valor ele vale apenas quantitativamente, depois de ter sido reduzido a trabalho humano sem qualquer outra qualidade […] Como a grandeza de valor de uma mercadoria expressa apenas a quantidade de trabalho nela contida, as mercadorias devem, em dadas proporções, ser sempre valores de mesma grandeza.” (123)

“Uma quantidade maior de trabalho constitui, por si mesma, uma maior riqueza material, dois casacos ao invés de um […] No entanto, ao aumento da massa de riqueza material pode corresponder uma queda simultânea de sua grandeza de valor. Esse movimento antitético resulta do duplo caráter do trabalho.” (123)

“O trabalho útil se torna […] uma fonte mais rica ou mais pobre de produtos em proporção direta com o aumento ou a queda de sua força produtiva. Ao contrário, por si mesma, uma mudança da força produtiva não afeta em nada o trabalho representado no valor.” (123)

“Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força humana de trabalho em sentido fisiológico, e graças a essa sua propriedade de trabalho humano igual ou abstrato ele gera o valor das mercadorias. Por outro lado, todo trabalho é dispêndio de força humana de trabalho numa forma específica, determinada à realização de um fim, e, nessa qualidade de trabalho concreto e útil, ele produz valores de uso.” (124)

DAVID HARVEY:

“Como no item 1, ele parte dos valores de uso […] produtos físicos, produzidos por trabalho útil, ‘concreto’. A enorme heterogeneidade das formas de processos de trabalho concreto […] é importante porque, sem ela, não haveria base pra nenhum ato de troca (pois obviamente ninguém quer trocar produtos similares) ou nenhuma divisão social do trabalho.” (36)

“O trabalho útil é uma ‘eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana.” (36)

“‘Os valores de uso’, diz ele, ‘são nexos de dois elementos: matéria natural e trabalho’ […] ‘ao produzir, o homem pode apenas proceder como a própria natureza’” (37)

“Marx introduz uma distinção crucial entre riqueza (o total de valores de uso sob o comando de alguém) e valor (tempo socialmente necessário de trabalho que esses valores de uso representam).” (37)

“‘Mas o valor da mercadoria representa unicamente trabalho humano, dispêndio de trabalho humano.’” (37)

“Isso é o que Marx chama de trabalho ‘abstrato’. Esse tipo de generalidade do trabalho contrasta com a miríade de trabalhos concretos que produzem valores de uso efetivos.” (37)

“Ele conceitua o valor em termos de unidades de trabalho abstrato simples; esse padrão de medida ‘varia, decerto, seu caráter em diferentes países e épocas culturais, porém, é sempre dado numa sociedade existente’ […] O padrão de medida é contingente no espaço e no tempo, mas, para propósitos de análise, é assumido como dado […] problema da redução […]” (38)

“Marx defende […] que os aspectos abstrato (homogêneo) e concreto (heterogêneo) do trabalho são unificados no ato laboral unitário. Não é como se o trabalho abstrato ocorresse em uma parte da fábrica e o trabalho concreto em outra. A dualidade reside no interior de um processo singular de trabalho […]” (38)

“Isso significa que não só não pode haver incorporação de valor sem o trabalho concreto de confeccionar camisas, como também não podemos saber o que é o valor a não ser que as camisas sejam trocadas por sapatos, maças, laranjas e assim por diante […] É através da multiplicidade de trabalhos concretos que surge o padrão de medida do trabalho abstrato.” (38)Eduardo KazeRedatoria Gonzo