Estranhos Atratores

Ritchie em Santo André e o encontro com as minhas certezas óbvias

Por Marcelo Mendez

Fotos de Marco Antônio Olimpio

Não eram muitas as coisas que ocupavam minha cabeça em 1983.

Juntar a grana que conseguia arrumar com ajuda do pai através de pequenos trampos e outras mumunhas, para comprar Back in Black do Ac/Dc, ou batalhar um pouquinho mais para conseguir um legitimo “Show no Mercy” do Slayer? Que celeuma!

Na minha Santo André dos 80, no Brasil dos anos 80, quando se falava de música, pouca gente ia la querer saber de Ac/Dc, ou de Slayer, ou quetais. A vida por aqui apresentava outros sons, outras batidas, novas pulsações que chegavam pelas ondas do rádio. E essas ondas, nessa época, tinham um dono:

Ritchie.

O Inglês que descolou uma Menina que primeiro hipnotizou, depois envenenou o Brasil de norte a sul. Agora, o reencontro para uma pauta aqui em Estranhos Atratores.

A noite em que ele cantou Paul Simon em Santo André e novamente, hipnotizou todos os corações.

Certeza óbvia número 1…

São muitas as coisas que me passam pela cabeça enquanto sigo para o encontro com Ritchie.

Lembro de toda a nossa troglodice juvenil, na candura dos imberbes 13, 14 anos, a ouvir a todo instante, em qualquer que fosse a rádio no Brasil, uns hits como a já citada “Menina Veneno”, ou “Só pra o Vento”, ou “Casanova”, “Pelo Interfone”,A Vida tem Dessas Coisas” e por ae vai. Era impressionante.

O músico que havia chegado no Brasil em 1972, trazido por Rita Lee, que havia perambulado por bandas como Vímana, Barca do Sol e outras viagens progressivas, rasgava os anos 80 com tudo, emplacando um hit atrás do outro, fazendo sucesso em todas as esferas sociais, agradando geral, ou quase…

Na minha cabeça de menino proto-punk do abc, aquela onipresença era algo irritante, ou pelo menos eu gostaria que fosse e então, vem daí a primeira celeuma com o nosso Astro; Eu queria muito detestar o Ritchie, com todas as minhas forças de fã do Cólera, do Slayer, do Ac/Dc e de todo Humble Pie que se possa imaginar, eu tentei me irritar, ter raiva ou coisa do tipo de toda aquela onda pop.

Mas eu nunca consegui.

O motivo disso, ao longo da vida, sempre desconfiei. Todavia, naquela noite no Sesc Santo André, tive a certeza definitiva…

Certeza óbvia número 2…

Olhei no relógio e vi que já passava das 20 horas.

O acordo que eu tinha com a produção era de que eu deveria chegar as 19:30 na passagem de som para falar com Ritchie, algumas perguntas pontuais e tal. Ele se apresentaria como cantor de algo que eu não posso dizer que tenha feito parte de minha vida de fã de música, mas que conheço bem.

Acompanhado de Fabio Tagliaferri, Swamy Junior, Mário Manga, além da participação especial de Tuco Marcondes, músicos que formam a banda Black Tie, Ritchie cantaria canções de Paul Simon. E toda curiosidade do mundo que tinha, passou no exato momento em que o atraso do ônibus que me levou até o Sesc, em conluio com o transito do Rush, me fizeram perder a hora combinada.

O meu ânimo era pouco quando cheguei e então, decidi ir até o bar do Sesc tomar um vinho, ou uma cerveja. Fui até o caixa, comprei a ficha e na hora de retirar, vi um cara elegante, de cabelos grisalhos, agradecendo a moça que o serviu em um “obrigado” com um leve sotaque. Fui até la:

“Ritchie?”

“Opa.. Tudo bom?”

“Olha, eu sou Marcelo Mendez, do site Estranhos Atratores, precisava de fazer umas perguntas, mas cheguei atrasado. Será que podemos falar, mesmo que seja algo rápido…”

“Claro, me acompanha”

E entre um pedido de autografo e uma foto, entre uns sorrisos e um vagar de quem é realmente feliz, fui com ele até o Palco. A idéia era falar de Paul Simon, do show, mas bem; Eu estava descobrindo porque jamais consegui detestar o cara…

A vida tem dessas coisas…

“Eu só queria dar minhas aulas de inglês, de seguir coma minha vida, fazendo meu som, tudo sem maiores pretensões. De repente tudo aconteceu, minha vida mudou, foi um absurdo”

Rodeado dos amigos músicos do Black Tie que em breve cometeriam o show no palco onde falávamos, Ritchie me falava da vida com toda a fleuma do mundo. Enquanto o via falar de sua vida, observei a incrível classe, a impávida elegância que ele carrega de maneira tão natural. Um gentleman a circular por perto do Jornalista punk/rocker/blues que o entrevistava.

Para além do que aconteceria ali naquele palco, falamos da vida, dos filhos, de Copacabana, do Rio de Janeiro, dos anos 80, do rock progressivo que eu não consigo ouvir e que ele tão elegantemente respondeu?

“Claro, eu entendo.”

Ritchie estava muito feliz. Ao lado de amigos, de músicos que ele tanto admira, ele passearia pela obra de um dos caras que ele mais gosta – “Cantar essa obra é algo maravilhoso, me senti honrado quando fui convidado. É um prazer estar do lado desses caras, para participar de algo assim, tão bonito”.

Sem perceber, eu já estava ali há quase uma hora. Naquele momento mágico, me senti como se estivesse falando com um velho amigo de outras épocas, cheio de histórias e vidas para contar. Todavia, deu a hora, nos despedimos com um abraço, fui para a platéia e finalmente, vi o show.

Tava na hora de ter certeza…

A certeza óbvia definitiva e a falha retumbante

A frente do timaço de músicos que formam o Black Tie, Ritchie passeou pela obra de Simon a bordo de sons como The boy in the bubble (1986) The sound of silence (1964) Old friends (1968) Bookends (1968) Mrs. Robinson (1968) e The boxer (1970) com a mesma classe, a mesma elegância e com a mesma beleza do sorriso que tinha no rosto quando me convidou para conversar.

Me emocionei.

Confesso que não sei se estive em 100% concentrado na cobertura do que ali foi proposto e executado lindamente pelo Black Tie.

Meus olhos, percepções e coração estavam todos voltados para Ritchie, o cantor da minha imberbe adolescência, onipresente em todos os minutos dos anos 80, astro, superstar que foi mesmo não querendo ter sido.

Falei em certezas, na hora que me preparei para ver o show e ao término, saí com uma inexorável:

Na tentativa de odiar Ritchie, falhei de maneira épica!