Estranhos Atratores

Pussy Riot: Não temos armas, nem serviço militar, mas temos cérebros

Banda russa se apresentou ontem em frente ao Centro Cultural São Paulo

Texto por Caio Luiz.

Fotos por Fernando Lago / Lacuna Images.

A Rússia é o maior país do mundo. Há pouco mais de 100 anos, o país se viu diante de uma revolução que deu início ao processo de instauração do regime comunista. Na prática, uma aristocracia czarista foi removida do poder para dar lugar ao partido bolchevique. A ideologia de Karl Marx não foi aplicada à risca e a União Soviética, que seria uma espécie de laboratório de implementação da esquerda em escala continental, terminou em uma ditadura que vitimou mais de 60 milhões, segundo uma matéria da Folha de S. Paulo de 1997, que reproduzia o número do diário russo Izvestia.

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

Com a queda da União Soviética, nas últimas décadas, a Rússia deu um giro de 180 graus no campo ideológico e agora figura entre as nações que são classificadas como de extrema direita. Talvez o ponto mais interessante, de uma perspectiva analítica, é que novamente o país ruma para o extremismo ditatorial, o que denota como os polos, em dado momento, se encontram em uma intersecção totalitária. Um dos casos que tornou o momento opressor capitaneado pelo presidente Vladimir Putin mais evidente é o da banda punk feminista de performances, a Pussy Riot.

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

Em 21 de fevereiro de 2012, inspiradas por grupos como o Voina para ações de protesto, a banda realizou uma breve intervenção na Catedral Cristo Salvador, icônico espaço católico em Moscou, e passaram a ser perseguidas pelo Estado por hooliganismo e ataque de ódio. Uma manobra no qual o opressor tornou-se o oprimido. Usando a recorrente analogia dos graus, o país dá indícios de que o giro será de 360°; um repeteco histórico alojado no século 21, se a constante investida conservadora ligada à igreja russa ortodoxa seguir abrindo alas para o projeto fascista do ex-agente da KGB.

Confira a seguir, uma entrevista realizada com Maria Alyokhina, a Masha, que veio para a segunda passagem da banda no Brasil. Hoje a Pussy Riot existe em dois formatos, tendo Nadya Tolokonnikova à frente da outra parte da banda. Masha participou do projeto Verão Sem Censura, organizado pela prefeitura de São Paulo para contestar o atos do governo Bolsonaro contra a cultura nacional. 

Esta entrevista foi originalmente foi publicada no dia 30/01/ 2020 de modo editado, como matéria, na edição 3.259 do jornal Destak e está sendo publicada agora com exclusividade para o site Estranhos Atratores.

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

O que está acontecendo com a Rússia, agora que Putin está tentando uma manobra para mudar a Constituição?

Ele está tentando criar um novo órgão no poder para ser a cabeça desse órgão para sempre. Para tanto, precisa mudar a constituição e estamos protestando contra isso, claro. Todos entendemos isso como um novo passo que leva ao inferno. Mas desde 2012, desde que realizamos nossa Reza Punk, muitas coisas terríveis, como crise social, guerra com a Ucrânia, presos políticos e perseguição a ativistas, estão crescendo cada vez mais. Teremos um julgamento no dia 10 de fevereiro no qual diversas pessoas correm o risco de pegarem 18 anos de prisão por ativismo.

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

Pelo que a população russa está passando?

Em 2019, a sociedade tornou-se muito ativa e tivemos uma série de protestos por eleições livres. O lado bom é que também temos músicos bem populares que integraram as manifestações e estão se arriscando. São rappers e autores de música eletrônica que podem perder tudo, mas entenderam que precisam fazer algo porque o governo foi longe demais. Tivemos demonstrações severas contrárias à gestão que aumentaram o nível de repressão. As pessoas estão indo parar na prisão por causa de posts no Facebook e no Twitter. Acho que a decisão de Putin de perseguir o poder sem fim é sinal do medo de perder esse poder.

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

O que as pessoas deveriam saber sobre seu livro?

É um manifesto pró-motim e um chamado para a ação. Estou feliz que foi traduzido para o português. Não é um livro de memórias ou uma descrição de um gulag russo. É para que jovens e ativistas ou quem quer se tornar um se informe. Decidi escrever porque nossa história pode ser útil para pessoas entenderem que não planejamos algo grande e não esperávamos que tomasse tal proporção. Muito menos que se tornasse um caso criminal ou chamasse atenção do exterior. Apenas criamos uma canção contra a hipocrisia de Putin com colaboração da oligarquia da igreja católica, o que para nosso país é uma experiência trágica. Tivemos ditadores durante a União Soviética que baniram o cristianismo, igrejas foram bombardeadas, atiraram em padres e pessoas foram enviadas à campos de concentração por 25 anos por suas crenças. É maligno usar a igreja para promover a nova versão da KGB e a única razão para que o façam é dinheiro. Fizemos a música “Mother Mary, banish Putin” [Mãe de Deus, bana o Putin] e depois de três dias um caso foi aberto contra nós e a corte russa se comportou de modo bizarro. Entendi que todo esse processo deveria ser escrito algum dia. 

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

Após quase dez anos de fundação da banda, acredita que iniciaram um movimento?

Em dado momento, sim. Éramos um pequeno grupo anônimo de Moscou fazendo ações artísticas de viés político de modo imprevisível. Desde que nós três fomos presas e tiraram nossas balaclavas, tudo mudou e passamos a defender os direitos humanos de dentro da prisão e demos início ao midiazona, o único site que protege os direitos dos presidiários na Rússia por meio do jornalismo. Pessoalmente, sou muito orgulhosa do time de jornalistas que vem escrevendo sobre o tema de tortura, assassinatos e o lado obscuro do sistema carcerário há cerca de quatro anos. Onde quer que eu vá, encontro pessoas que foram inspiradas pelo Pussy Riot e pela nossa arte, mas fomos inspiradas por artistas e grupos de guerrilha da Europa e dos EUA. Acho que é um ciclo que se retroalimenta. É importante construir uma comunidade internacional porque isso é mais forte que ditadores. Não temos armas, nem serviço militar, mas temos cérebros, corações e honestidade. 

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

Comente sobre a situação mundial na qual Putin governa a Rússia; Trump, os EUA; e Bolsonaro tocando o Brasil. Há tantos outros espalhados por aí que representam a extrema direita.

No Brasil e nos EUA, ao menos, os presidentes ganharam as eleições. Já Putin esmagou as eleições. Olhar o exemplo de Putin mostra o que pode ocorrer se o país perde a democracia. Passo a passo, a sociedade perde a liberdade de imprensa, de protesto, de expressão artística e de opinião própria. A Rússia é um exemplo do que a popularização do movimento de ultra direita pode causar. Esses ditadores que estão no poder e fingem serem o “papaizão” do povo flagram que não estamos gritando alto o suficiente. Os democratas da América perderam eleições devido à corrupção e isso deveria ser uma lição para o futuro, para não repetir os mesmos erros e superar Bolsonaro. Foi chocante ler suas declarações misóginas e machistas. É estranho. Não são sobre valores da família ou tradição e isso remete diretamente a Putin. Não é nada a respeito de tradição e, sim, sobre matar oponentes.

Foto por Fernando Lago / Lacuna Images.

O que o Pussy Riot mostrou ao mundo é que algumas mulheres mascaradas são uma ameaça real ao sistema. Que mensagem teria às leitoras?

Nosso protesto vem do coração. Portanto, não o perca jamais. Seja honesta. Diga o que precisa dizer, o mais alto que puder e, apesar de sermos uma coletivo feminista, há muitos homens no nosso grupo porque não separo pessoas por gênero. É tudo sobre uma ideia.