Por Marcelo Mendez
Fotos de Maristela Rainieri
Antes de sair pra pauta, jantei com a tv ligada.
Enquanto eu comia um prato de espaguete alho e óleo, a Michele Pfeiffer cantava Makin’ Whoopee em cima do piano do Jeff Bridges. É engraçado como Hollywood vê as coisas do jazz.
Garotas Brancas de vestidos bufantes em vermelhos calmos cantando minimamente com vozes de clichês, pianos brilhosos, novos, cujos donos, munidos de brilhantina no cabelo, tocam com a frieza de um ar condicionado de gabinete. Ternos de cortes duvidosos que não vestem elegâncias, mas que travestem aparências, nada de fúria, nada de sangue ou coração pulsando.
O jazz que só “parece” é um banquete de flores de papel crepom servido para burocratas banguelos.
Isso não nos interessa. Estamos aqui para falar do jazz que vive, que transpira, que bebe cerveja, que come o espetinho de frango do Bar Dallas, que pega trem, que não tem medo de se jogar. Quero falar do Cara que há 20 anos tem lutado para isso se perpetuar, ou pelo menos para sobreviver. É hora de falar desse cara.
Estranhos Atratores apresenta para vocês Stefano Moliner. O Baixista que devora o jazz.
APOTHEOSIS DE UM HOMEM FIEL AO QUE SE DESEJA
Conheço o Stefano de algum tempo que já não pode se dizer breve. Sempre a frente de projetos voltados para a música instrumental, as conversas com ele são de um prazer muito grande. Dono de uma paz que tanto contamina, quanto acalma, Stefano é um artista completo, sabedor das necessidades todas da Arte para tempos bicudos, do papel do artista contra a calhordice, da importância da elevação espiritual do artista para a fundamental saúde mental para encarar essa luta toda. Trata-se de um homem de pensamentos e concepções profundas acerca do trabalho musical. O seu álbum mais recente trata disso.
Apotheosis, de 2022 é uma jornada notas adentro, de uma busca atroz de Stefano pela abordagem metafisica, ocultista e esotérica. Toda uma onda conceitual orquestrada em cima da filosofia Thelema, a filosofia religiosa que entre outras premissas, apregoa que a vontade do indivíduo é a lei. E isso explica muitas coisas.
São duras as lutas de um artista puro, refinado, precioso e completo como Stefano Moliner. Não é fácil para alguém tão fundamental e tão visceral em suas crenças, viver num lugar como esse que estamos, ser um músico que vive movido por apenas as coisas que lhe dão imenso prazer de fazer, ser feliz com a arte que produz, isso é uma profissão de fé que Stefano cumpre com imensa classe. Quem o vê em ação sabe disso, quem assim como eu, se mexe para ir às quartas de jam session do Apostrophe sabe bem do que digo.
MÚSICOS EM AÇÃO E O JAZZ REAL CONTRA AS APARÊNCIAS DE PLÁSTICO
Então terminei de jantar, entrei no carro rumo ao Apostrophe e em 10 minutos cheguei la. E pronto, agora esqueçam essas cagadas ae “Uisquinho, um charuto e um jazz”, daqui pra frente vamos falar do jazz real.
Entrei na casa. O apostrophe é um lugar honesto comandado pelo Diego Osi que, com ajuda da sua rapaziada, formada por Frank o Barman, Carolzinha no Caixa, Thay e Judeu na Bilheteria, corajosamente abre um espaço as Quartas feiras dedicados ao Jazz e a música instrumental. Isso é de verdade. Na história do jazz não cabe essas bobagens elitistas e bestas, o estilo nasceu e se perpetuou com Músicos brilhantes atuando em pardieiros escuros, com seus donos gângsteres, Cafetões e seus palcos duvidosos. Cotton Club, Elnoras Café, Fox’s Bar e toda 12th Street de Kansas, recheada de boates enfumaçadas e baratos compartilhados por meio de cordas saltitantes agulhando veias em desassossego, foram alguns dos lares históricos dessa música que também seria histórica, mas que naquele frenesi dos loucos anos 20 ninguém sabia. Hoje sabemos. A noite relatada a seguir, honra lindamente essa história real:
Chega o time.
Marcelo Jesuíno com sua guitarra flamejante, Vitor Miranda e seu sax técnico e preciso e a bateria em fúria de Rodrigo Mardegan. Um time fortíssimo que acompanha Stefano para a empreitada de cometer o jazz às quartas. Junto deles, ver Stefano em ação é uma experiência única e necessária
Stefano está para o contrabaixo tal e qual Kandinsky está para os pincéis e para as abstrações. Ele faz do corpo de seu contrabaixo o campo das cores, usa as cordas grossas de seu instrumento como a alma, a tela onde é reproduzida e vibrada as emoções dessas tantas vidas e outros desejos de quem anseia por música, com visceralidade e entrega na execução musical. Não se trata do que se pensa, mas sim do que se sente. Stefano comanda a Jam com essa postura.
Freddie Hubbard, Thelonius Monk, Hermeto Paschoal, Herbie Hancock, Miles Davis, John Coltrane e todos os Mestres do seguimento são interpretados dessa maneira. O Jazz ecoa por meio de conversar perdidas e outros sons da noite que também são inseridos e incluídos na performance. O Apostrophe pulsa! E você pode ver isso de perto. Todas as quartas a partir das 22 horas, chega la.
O Stefano é real, logo, fundamental para corações aos berros.
Adorei a matéria, o jazz não é status é música pra quem tá de alma e corpo fazendo acontecer, Stefano é monstro.
Stefano grande músico e orgulho para o ABC. E o Apostrophe acolhendo essa arte faz valorizar e representar a cultura na região. E tudo isso traduzido pelas palavras de Marcelo Mendes, espetacular!
Descrição bonita e justa do trabalho do Stefano Moliner. Ele decidiu abraçar sua arte e esse gênero de forma integral e honesta, com talento e alma. O mundo ainda sobreviverá, enquanto houverem pessoas apaixonadas e capazes de expressar suas visões e opiniões. Concordo com tudo e parabéns para o Apostrophe!
Pois então o jazz é algo que pode ser ruim, médio, bom, ótimo, mas sempre será uma vivência musical e auditiva diferenciada, menos empacotada. A primeira audição pode colocar-te longe dele por toda a vida. Uma segunda e uma terceira tentativa pode mudar essa trajetória. Escutar jazz no vinil e no áudio é um papo, escutar o jazz com a transpirância(sic) dos músicos , em geral é a maneira mais adequada de se reconciliar com a arte.
Stefano parece fornecer a matéria prima. A Apostrophe a ambientação.