Estranhos Atratores

COVID-19 – Coachers quânticos, negócios acima de tudo – Eduardo Kaze

Glosas sobre uma discussão online

Quarentena, Dia 3 (22/03/2020).

Por Eduardo Kaze

Para JB, a Besta, preservar os empregos é mais importante que preservar vidas. Businessfirst, poderia dizer caso dominasse a língua de Trump, o Amarelo, seu mestre e mentor. Uma crise financeira desponta no horizonte, mas possivelmente ninguém a verá de dentro dos caixões improvisados com papelão para enterrar a humanidade que, num incêndio, enfrentou as chamas para salvar a carteira e esqueceu dos filhos.

Dia 3 (22/03/2020)

Explicar o que minhas leituras elucidaram sobre a teoria do Valor, em Marx, vai ficar mais uma vez para amanhã. Isso porque se fez urgente elucidar algumas coisas após uma série de comentários – de um homem só – em relação ao último texto. Parece que, ainda, é preciso explicar o básico a muita gente, de forma que trazer aqui, sem antes realizar esse esclarecimento, algo complexo como o Valor, em O capital, é atirar pérolas aos porcos. Chamaremos nosso acalorado interlocutor, de Coacher.

O Coacher sentiu-se no direito de vir defecar pela boca na postagem do último texto (https://url.gratis/R8SHb) e começou acusando este jornalista de alarmista. Do alto de sua inteligência emocional, acusou o autor de disseminar o temor e realizar, segundo ele, um desserviço. “Espalhar o pânico e medo no povo para que? É contra o governo atual, fale do governo atual. Agora alastrar medo, terror nas pessoas? Isso é doentio”, diz o Coacher.

A teoria do Coacher, que é contra a quarentena, é bisonhamente interessante. Num vídeo, afirma eloquentemente que, “para algo ser efetivo, ela tem que funcionar” (oi?). E continua: “pra algo funcionar, tinha que ter isolamento… velhos, senhores…”

As sequenciais redundâncias do Coacher não o inibem. Adiante, afirma “precisamos manter a economia funcionando… teremos que escolher, perderemos dos dois lados: vamos perder da economia e vamos perder, também, vidas…”

O que não diz o Coacher é que ao afirmar isso, já escolheu a economia, pois, em sua mente neoliberal, não há vida sem economia capitalista – sem escolha, atira nos que debatem alternativas.

Quando confrontado, o Coacher é hábil em ser estúpido, e mais que imediatamente retruca com uma espécie de vai pra Cuba: “Sai da internet.”, propõe ele. “Devolve o celular e para de utilizar o facebook. Que é uma empresa de vive de lucro. Aliás me agradeça pq eu pago anúncios e mantenho isso aqui. Único lugar onde vc tem liberdade pra postar suas merdas, me agradeça e agradeça a outros empresários.”

A megalomania parece ter invadido o Coacher, pilar do bem estar social em virtude de impulsionar anúncios na internet. Usando argumentação rasa, que separa o trabalhador de seu fruto de trabalho – pois o Coacher compreende apenas o trabalho concreto e é ignorante para a existência do trabalho abstrato como formador do valor (abordaremos esse tema noutra oportunidade) – usando argumentos de boteco, o Coacher propõe: “devolva o celular … para de utilizar o facebook…”

Por alguma razão, o Coacher acredita que só devem usufruir do fruto do trabalho humano, humanos que aplaudam seu modo de produção e vejam em suas pobrezas defeitos de caráter e mesmo preguiça – se Silvio Santos pôde, todos podem. A isso, não mais do que poucas palavras de Marx para rebater o delírio: “se a classe trabalhadora tudo produz, a ela tudo pertence”.

Mais tarde, em sua última dessa série de mensagens, o Coacher completa: “se pra vc é tão ofensivo o dinheiro, capital, empresas e sociedade. Pq vc faz parte dela?”. Ok, eu tive que parar um instante para rir antes de responder. Aliás, o que responder para uma proposta tão impossível quanto ridícula? O Coacher parece ignorar que o sistema capitalista não é uma opção. É uma imposição; não há fuga, é onde estamos e não há sociedade fora da sociedade. Para o Coacher, chegamos ao fim da história, e o modelo, ao qual acata o Coacher, é, que ironia, o melhor e o mais perfeito, finalidade última do homem. Quem não gostar, que se retire.

Pausa para os risos novamente…

Adiante: “se pra vc é tão ofensivo o dinheiro, capital, empresas e sociedade. Pq vc faz parte dela? Porque utilizar da internet que as maiores empresas do mundo que mantém? É doentio se utilizar de um sistema de todas as benesses dele e querer o caos dele”.

Aqui, gostaria de atentar para o trecho “que as maiores empresas do mundo que mantém” e acrescentar uma pequena correção: não há internet sem usuários. Aliás, trabalhamos de graça gerando conteúdo para o amado Facebook. Mais uma vez, o Coacher inverte as coisas, algo natural à mentalidade mesquinha dos que não enxergam o produto do trabalho como proveniente do trabalhador, mas como manifestação mágica do empenho da empresa, a detentora dos meios de produção; na visão do Coacher, tão boazinha ao ceder emprego a esses animais sem imaginação que mal sabem apertar um parafuso direito… os trabalhadores.

O Coacher finaliza com uma sugestão quase impositiva: “Procure tratamento”. De minha parte, concordo, ao que concluo: Tratamento? Vou procurar. Você recomenda Augusto Cury, Olavo de Carvalho, ou tem alguma leitura mais aprofundada além dessas?”

Amanhã prometo voltar ao capital de Marx e falar sobre o caótico dia que promete ser a primeira segunda-feira de operação totalmente remota do Seu Jornal, da Rede TVT. Mantenham-se vermelhos.

Eduardo Kaze

Redatoria Gonzo