Por Guilherme Marcondes – Projeto O Mármore e a Murta*
Ilustração: Vallandro Keating, do livro “Caminhos da Conquista”.
A fundação de São Paulo não foi em 25 de Janeiro de 1554, a data que comemoramos oficialmente. Ou, pelo menos, não foi tão simples assim. Este é o dia da primeira missa rezada por Anchieta na aldeia de Piratininga. Nessa época o lugar ainda era uma missão jesuítica e não uma cidade incorporada pela Coroa Portuguesa. Você pode dizer: “Mas o que importa é que já tinha gente morando lá.” Nesse caso, a cidade seria ainda mais antiga porque que a aldeia já existia pelo menos desde 1532. São Paulo teria quase 490 anos. Comemoramos uma data religiosa que atropelou tanto a memória indígena quanto às leis civis do antigo império.
A história é um pouco mais complicada: passa pelo desmonte de uma outra vila, chamada Santo André da Borda do Campo (que não tem nada a ver com a atual Santo André no ABC). Falaremos mais sobre ela em outro post, mas por hora o importante é que a vila foi fundada em 1553, o primeiro povoamento oficial no planalto paulista. O assentamento não vingou e durou só sete anos. As 15 famílias que viviam ali foram relocadas por ordem da Coroa até os arredores de Piratininga, quando São Paulo foi “oficialmente” fundada. A cidade atual é o resultado do amálgama de dois núcleos anteriores. Nas palavras de Gustavo Neves:
“(Na aldeia de Piratininga) a amizade entre índios e catequistas durou pouco tempo. Não podendo suportar a intromissão dos padres nos seus usos e costumes, principalmente contra a antropofagia e a poligamia, abandonaram a aldeia sem antes ameaçá-los com a promessa de os matar e de destruir a sua Igreja. Por isso, sentindo-se abandonados e sem forças para resistir a qualquer ataque, o padre Manuel da Nóbrega, visando também o interesse dos moradores da vila de Santo André da Borda do Campo, que sofriam com a falta de água por estarem localizados em local impróprio, sugere a mudança dessa vila para junto deles. A mudança foi autorizada pelo terceiro governador geral do Brasil, Mem de Sá, por provisão de 5 de abril de 1560. Mudou a vila o nome para São Paulo do Campo, depois São Paulo de Piratininga e finalmente São Paulo.”
Não seria errado, portanto, dizer que a nossa metrópole começou sua vida acolhendo refugiados.
OBS: Mais uma vez, a fonte principal desse texto é o blog do professor Gustavo Neves da Rocha Filho, principalmente o seguinte artigo:
Para saber mais sobre a fundação de São Paulo também recomendo o livro “A capital da solidão: Uma história de São Paulo das origens a 1900” de Roberto Pompeu de Toledo.
*PROJETO O MÁRMORE E A MURTA – De onde vem o nome do projeto? Essa frase é a metáfora central do “Sermão do Espírito Santo” do Padre Antônio Vieira onde ele expõe as ideias jesuíticas a respeito da alma do indígenas brasileiros. Em meados do século XVI, existia o problema dos “brasís” não reterem os ensinamentos da Igreja Católica. Segundo o padre, a catequese era como esculpir uma estátua. Os índios eram fáceis de convencer mas depois eram inconstantes e inconfiáveis (como a murta, um arbusto ornamental fácil de esculpir mas que logo volta a forma selvagem original), opostos a outros povos previamente conquistados pelos cristãos, mais duros, resolutos e desenvolvidos (como o mármore, duro para entalhar mas que depois retém a forma para sempre). A mesma frase também dá nome a um ensaio recente do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro que analisa o mesmo sermão pelo ponto de vista indígena.
Para Vieira, a murta era um símbolo negativo: caótico e imprevisível. Já o mármore, era sólido e apurado. Hoje em dia propomos outra leitura: A murta é viva e próspera enquanto mármore é um peso morto.
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